PERFIL
DA TURMA
A
turma é composto de 28 alunos, na matrícula original. Durante as aulas neste
ano somente uma noite compareceram vinte e dois alunos, nas demais oportunidades
sempre menos. Esta dinâmica é uma particularidade da Eja. A totalidade 9,
chamada de Tot 9, corresponde ao 3º ano do ensino médio. São alunos
trabalhadores que de alguma forma ficaram fora da escola em tempo normal. São
atualmente , 12 alunos do sexo masculino e 10 feminino.A matrícula na Eja pode
ser feita em qualquer tempo e as turmas estão em constante mudança. Esta
dinâmica ainda deixa a Eja mais heterogênea. Temos as diferenças de idade com
alunos entre 18 e 32 anos. Muitos afastados da escola de 4 até 14 anos. As
causas destes afastamentos são as mais diversas, mas questionados os alunos
indicam como principal motivo o casamento, seguido do tipo de trabalho que
causa cansaço ou exige tempo noturno, mudança da família para o interior e
falta de interesse pela escola. Indagados sobre os motivos para voltar a
estudar e buscar a conclusão do Ensino Médio, temos principalmente a intenção
de fazer cursos, uma faculdade e melhorar profissionalmente.
Uma das características da Eja é a
heterogeneidade da turma de uma forma bastante evidente. Reconhecemos que nas
outras modalidades de ensino esta situação é comum, mas o que acontece no
ensino noturno é a evidência, considerando desde a idade até os interesses e
condições de aprendizagem. Apresenta-se como mais um desafio para nosso
planejamento que deverá ser flexível para incluir alunos diariamente.
Apresentamos
num momento especial de diagnóstico comum nesta fase do ano letivo, questões
que nos auxiliaram a compor o perfil acima e também investigar o repertório já
construído em artes.
“O
que é arte?” Esta pergunta foi um dos questionamentos que direcionamos aos alunos.
Tivemos respostas importantes que definem: “arte é a maneira como a gente se
expressa, é a criatividade, é tudo que é bonito ou as pessoas gostam e admiram,
é expressão das culturas, é tudo que criamos, é nossa imaginação, estuda as
artes no mundo e nos traz conhecimento”. Algumas respostas mais elaboradas
como: “Arte é a forma que cada um tem de ver várias coisas e se expressar, a
arte está em tudo, viver é uma arte, um meio de crítica à sociedade.”
Perguntamos
sobre o que sabemos sobre arte e tivemos respostas como: ”a arte é tão intensa
que não sabemos explicar, sei de alguns pintores e várias histórias como de Van
Gogh, sei que arte é atitude, sei que artes está presente no nosso dia a dia e
em todo lugar, sei sobre algumas telas que retratam o passado, sei que mexe
muito com a gente.” Um aluno com 18 anos que cursava o ensino médio no turno da
manhã respondeu as questões todas de uma forma muito particular: “Sei de artes,
o mesmo que sei de mim, do meio em que vivo de quem convive comigo, do que sei
de mim, acho que conheço mas sempre me surpreendo”.
Os
alunos desta turma na sua totalidade entendem que a arte é importante na escola
e fora dela, por razões diversas: “para aprender coisas diferentes, para nos
descontrair, para relaxar a mente, interagir com os colegas, para nos expressarmos
com liberdade, para desenvolver nossa criatividade, na escola é o único lugar
que vou ter para fazer um desenho”. Mais uma vez nosso jovem aluno se expressa de
forma diferente dos demais: “a arte pode moldar nossa crítica e gosto, elevar a
cultura”.
Sobre
sugestões ou expectativas de aprendizagem em artes não houve contribuição nas
respostas, duas alunas colocaram a vontade de aprender a pintar.
Um belo desafio, pois trabalhar com arte, com
a sensibilidade numa turma muito dedicada, com alunos atentos mas que em relação
à arte teremos de construir e tentar seduzi-los.
Fayga Ostrower, no seu livro “Universos da
Arte”(OSTROWER, 1991),sobre uma experiência de ensino para operários de uma
fábrica, faz o seguinte questionamento:
Como
colocar-me diante dos operários a discursar sobre valores espirituais quando
sabia perfeitamente que, para a maioria, a grande e exaustiva tarefa continuava
a ser a sobrevivência material? Não seria descaso de minha parte ignorar ou
fingir ignorar isto? Diante de problemas de tamanha urgência, a própria
sensibilidade pode parecer um aspecto irrelevante da vida. (OSTROWER, 1991,
p.20)
Como
ensinar artes para alunos trabalhadores sem repertório construído, que percebem
o tempo de EJA como uma “passagem” no sentido de concluir o curso? Como
significar a arte? Como representar-se como autor? Como trabalhar com a sensibilidade?
Como construímos nossa imagem? Quais os recursos e estratégias alguns artista se
utilizam para representar-se? Como podemos apreciar algo que não conhecemos?
Título do Projeto:
Reflexio
4.2.1
Objetivo geral
- Provocar reflexões através
de retratos percebendo a imagem como forma de pensar o mundo e a própria arte;
- Propiciar à alunos
trabalhadores a oportunidade de se reconhecerem, se revelarem (re)significando
suas visões da arte e de si mesmos;
- Propor práticas que
possam desenvolver a percepção da dupla função do retrato: a representação visual
e o desvelamento interior, reivindicando uma identidade;
- Criar situações onde
o aluno da Eja possa ser ouvido, construindo seu discurso, resgatando sua
identidade, exercitando a autonomia em busca da igualdade do aluno, da turma, do
curso e na sociedade.
4.3
Conteúdos
-Questões de identidade
-Diferentes poéticas de
artistas e imagens-Retratos e auto-retratos
-Arte contemporânea e suas reflexões
-Observação sensível e educação do olhar
-Poética pessoal
Com a arte temos a oportunidade de propor experiências
inéditas, de resgatar momentos que nossos alunos foram impedidos de viver na
infância ou juventude, com os fracassos escolares ou as necessidades de
sobrevivência. As evidências nas observações nos proporcionam um diagnóstico de
pouco acesso à formação e ao desenvolvimento humano. “Necessidade de um olhar
mais demorado para sensibilidade e para a criação. Pensando então, um olhar
possível sobre o humano e tentando este resgate, recuperar “a humanidade que
lhes é roubada em outros tempos e espaços” (Arroyo,2000,p.24).
A escolha do título “Reflexio” para
nosso projeto nos remete à origem etimológica latina de dois termos que usamos
na nossa língua: reflexo e reflexão. Sintetiza nossa intenção de abordagem, o
retrato, a imagem como forma de pensar o mundo e a própria arte, uma reflexão
como ato de pensar.
A arte pode conforme DUARTE JR, 2001,
consistir num
precioso instrumento para a educação do sensível, levando-nos não apenas a
descobrir formas de novas até então inusitadas de sentir e perceber o mundo,como
também desenvolvendo e acurando os nossos sentimentos e percepções acerca da realidade
vivida. (DUARTE JR, 2001, p.23)
Oportunizar percepções, resgatar competências
e importâncias, sensibilizar olhares, exercitar a contemplação, ampliar
repertório e perceber a construção de retratos além da representação, como
significação é o que nos move na escolha desta proposta e nesta sequência de
ações.
Justificamos nossa
escolha propositiva ainda buscando ARROYO, 2000 quando diz: “tentem uma escola
onde haja tempos para o sentimento, para os rituais, para a cultura. Para que
as crianças e adultos mostram seus rostos, mostram-se gente, mostram-se gente,
mostram-se na sua humana essência.”(Arroyo, 2000, p.133).
Retratos e
desvelamentos nos remetem a João Guimarães Rosa:
O senhor... mire
e veja mais
Importante e
bonito do mundo é isto:
que as pessoas
não estão sempre iguais,
não foram
terminadas – mas que elas
vão sempre
mudando.
É o que a vida
me ensinou.
Isso me alegra
(...).
Pretendemos, então, instalar percursos com
alunos atuantes e um professor mediador, característica do projeto e incorporar
o olhar de Ana Mae Barbosa, quando nos instiga a pensar arte além da ação de
fazer. Traz-nos uma abordagem triangular quando oportunizarmos um fazer, ver e
contextualizar.
Esta dinâmica longe de
ser linear nos ampara na idéia de construir redes, de conectar conhecimento do
aluno com 32 anos, afastado da escola há 10 anos, ou o universo de um aluno que
agora fez 18 anos e participa dos mesmos objetivos. Esta valorização do outro
como importância, o amparo teórico, a leitura de imagem, a responsabilidade de
um professor propositor além da concepção de que todos podem aprender, determinam a metodologia desta proposta.
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